Estado de Goiás tenta aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, instrumento de reequilíbrio das contas públicas, desde 2019. No entanto, todo cuidado é pouco.
O Congresso Nacional aprovou, em dezembro do ano passado, um plano de ajuda fiscal a Estados e municípios que “ressuscitou” pontos do Plano Mansueto, criado para embasar os entes da federação na renegociação de dívidas e recompor o equilíbrio fiscal. O projeto passou pela Câmara e pelo Senado no mesmo dia, 15 de dezembro, e chamou atenção por sua apreciação “relâmpago”. No entanto, o projeto, que também beneficia Estados que tentam entrar no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), como é o caso de Goiás, tem encontrado entraves junto ao Ministério da Economia, o que pode dificultar ainda mais a tentativa do governo goiano de aderir ao regime.
Segundo o ex-candidato à Prefeitura de Goiânia e senador da República, Vanderlan Cardoso (PSD), a difícil situação fiscal enfrentada por Estados e municípios justifica a celeridade na deliberação e aprovação do ‘novo Plano Mansueto’. “Os estados e os municípios não têm condições de começar janeiro. Esse acordo costurado é que vai possibilitar, nos próximos anos, inclusive no pós-pandemia, a esses estados e municípios sobreviverem”, afirmou Vanderlan.
O projeto aprovado pelos deputados e senadores é baseado no ranking do Tesouro Nacional de classificação dos Estados, sendo os entes com a nota A os mais capacitados para contrair dívidas e realizar pagamentos e D como os mais endividados e com as condições mais dificultosas. Conforme o ranking, Goiás está classificado com a nota C.
Além de propor metas e compromissos a serem adotados pelos entes de acordo com a sua capacidade de pagamento e o refinanciamento de contratos com a União, o projeto aprovado traz mudanças no RRF, criado em 2017 para estados em desequilíbrio fiscal, estipulando a flexibilização nas privatizações (fator obrigatório para adesão ao regime) e também que Estados em situação mais severa possam aderir ao RRF por 9 anos, ao invés de 6.
Na prática, acaba a necessidade de pagamento da dívida com a União no intervalo proposto, mas também há a necessidade de adoção das contrapartidas para restaurar o equilíbrio fiscal até o final do prazo. E são justamente as contrapartidas que surgem como a “pedra no caminho” de Goiás.
As mudanças aprovadas pelo Congresso dependem da sanção do governo federal para começarem a vigorar. Contudo, tem havido grande resistência por parte do ministro da Economia, Paulo Guedes, para dar aval às mudanças sem se ater às contrapartidas. Guedes bate na tecla da redução drástica dos incentivos e benefícios fiscais por parte dos Estados para viabilizar a entrada no RRF. No entanto, para alguns, tal contrapartida pode ser mais prejudicial do que se pensa.
Reduzir incentivos é “tiro no peito de Goiás”, diz economista
De meados de 2019 para cá, o governador Ronaldo Caiado, ao lado da secretária da Economia de Goiás, Cristiane Schmidt, tem feito o ‘dever de casa’ para tentar uma adesão ao RRF. O governo estadual conseguiu emplacar na Alego a PEC da Previdência, Estatuto do Magistério e servidores, além de, é claro, um novo programa de incentivos fiscais. Com a sanção da lei que autoriza a venda de estatais.
Todavia, a exigência de uma redução nos incentivos fiscais para as empresas do Estado pode, ao mesmo tempo em que viabiliza a entrada de Goiás no regime federal, atrapalhar Goiás no desenvolvimento interno. É o que diz o mestre em Desenvolvimento Econômico e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Júlio Paschoal.
O economista destaca que, quando Caiado passou a discutir a questão da entrada no RRF, Goiás não atingia os 100% da relação dívida-receita. A princípio, a lei inicial exigia um comprometimento acima de 101%. No entanto, houve acionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que garantiu uma liminar que cessou o pagamento de juros até que resolvesse a questão. “Agora, foi aprovado no Congresso o regime especial que não é necessário estar com endividamento acima de 100% para entrar”, explica.
Para Paschoal, o aspecto bom da adesão do Estado de Goiás ao regime é que se criará uma “posição pra poder renegociar dívidas, das quais o Estado já chegou a pagar 19% de juros e depois 13% da receita corrente líquida”. “Estar dentro do plano, pelo lado positivo, é que alinha as contas do governo dentro das condições possíveis para pagamento”, pontua.
Porém, ainda conforme o economista, as exigências para a adesão ao programa podem ser comparadas a “um tiro no peito de Goiás”. “Vai bater bem onde o Estado tem garantido um desenvolvimento, que é em cima dos incentivos e benefícios fiscais”, explica.
“O que tem neutralizado a alta carga tributária que nós temos no país, hoje em torno de 35 a 36% do PIB, e que tem permitido que o Estado cresça acima da média nacional, é essa política ousada que nós temos de incentivos e benefícios fiscais, que permite a Goiás ter um desenvolvimento regional, mesmo na ausência de uma política nacional de desenvolvimento”, narra Paschoal.
Segundo o economista, uma redução de incentivos fiscais já foi constatada no ano passado, com a CPI dos Incentivos, e abrir mão ainda mais dos benefícios que o Estado concede atualmente para, assim, ser considerado apto para o RRF se trata de uma escolha que “destruiria a economia e geraria muito desemprego”. “Nós não podemos abrir mão de uma política de incentivo fiscal enquanto o Brasil, o Estado brasileiro, não voltar a ter uma política nacional de desenvolvimento”, afirma.
“O principal ponto que o Paulo Guedes está colocando é que tem que reduzir os incentivos e benefícios fiscais. Mas o governador Caiado, ao fazer a CPI [dos Incentivos], identificou alguns erros e fez essa redução dentro da CPI e no âmbito do ProGoiás [programa de incentivos criado pelo governo Caiado como alternativa aos já existentes]. Para nós, o principal problema teria que ser reduzir mais ainda os benefícios para poder se adequar às medidas que o Paulo Guedes está querendo”, relata o professor.
Procurada pelo Jornal Opção, a titular da Secretaria da Economia de Goiás declarou que não falaria sobre o RRF,
A estratégia caiadista
Como forma de atender às exigências de Guedes para entrar no RRF e, ao mesmo tempo, não comprometer os incentivos fiscais do Estado, Paschoal diz acreditar que o governador Ronaldo Caiado deve adotar uma engenhosa estratégia.
Para Paschoal, Caiado deve aproveitar a compartida demandada por Paulo Guedes de redução dos incentivos para aumentar a alíquota do Fundo Protege de 15% para 25% sobre os programas Produzir e Fomentar. Assim, segundo o economista, Caiado cederia às exigências de Guedes e, ao mesmo tempo, forçaria a migração das empresas para o ProGoiás, programa criado na gestão Caiado e que trabalha com crédito outorgado.
“Caiado acenaria para o Paulo Guedes com um aumento da tributação e automaticamente uma redução dos incentivos fiscais mas criaria uma opção para os empresários goianos para não aumentar a carga tributária”, avalia Paschoal.
“RRF mostrou-se instrumento viável”
Mesmo que o cenário passe a ser favorável para a entrada de Goiás no RRF, há aqueles que ainda divergem da ideia e não consideram uma boa alternativa. É o caso do deputado federal Rubens Otoni (PT), que afirmou que existem outras vias para o reequilíbrio fiscal que não estão sendo levadas em conta.
“O reequilíbrio das contas públicas não passa apenas pela visão do ajuste fiscal. O melhor caminho é a elaboração de um projeto inovador para o desenvolvimento econômico e social do Estado que seja referência para atração de novos investimentos públicos e também privados”, declarou o parlamentar.
Já o economista Walter Marin, mesmo admitindo que o RRF, na atual conjuntura seria a melhor opção, diz notar a ausência de meios que “enxuguem o Estado” e proporcionem uma solução duradoura para as contas públicas. “Existe muito interesse político. O Estado é uma grande empresa e se você é devedor, você deve procurar uma solução. A gente tem observado em muitas situações, o governo resolve o problema na vez dele e joga essa bomba pra frente”, pontua Marin.
Entretanto, para o advogado e economista Danilo Orsida, o desequilíbrio financeiro apresentado pelo Estado de Goiás e a somatória das despesas com pessoal, juros e amortizações, que foi maior que 70% da receita corrente líquida (RCL), fazem com que o RRF seja a melhor escolha.
“Em linhas gerais, o que se vê é um quadro em que o valor total de obrigações é superior ao valor das disponibilidades de caixa. Neste contexto, a adesão ao RRF mostrou-se como um instrumento viável para fornecer aos Estados com grave desequilíbrio financeiro os instrumentos para o ajuste de suas contas”, afirma Orsida.
Porém, além do RRF, o economista chama atenção ainda para a necessidade de uma reforma tributária que “equacione as receitas públicas”. Orsida cita o programa de refinanciamento de dívidas dos Estados, promovido pela União em 2017, que previa 20 anos para pagar as dívidas com a União. Na época, 18 Estados aderiram, porém, somente São Paulo e Minas Gerais alcançaram as metas fixadas de teto de gastos.
“Este cenário revela o quanto urge uma reforma tributária que melhor equacione as competências tributárias no Brasil e que equacione melhor as receitas públicas, descentralizando-as dos cofres da União e permitindo que cheguem nos Estados e Municípios”, arremata.