José Luiz Miranda
A economia, que na sua origem não recebia essa denominação, sempre esteve presente no cotidiano das sociedades desde as épocas mais remotas da história oriental e ocidental. Recentes pesquisas arqueológicas baseadas em técnicas modernas permitem identificar fragmentos de ideias econômicas presentes em registros dos sumérios, fenícios, chineses, hindus, hebraicos, helênicos, romanos, entre outros povos antigos que se dedicaram ao comércio e as transações monetárias como instrumentos para a realização das suas expansões geográficas e culturais.
Em resumo, o comércio e o dinheiro, sob qualquer forma de representação, sempre fizeram girar a roda da história desde os seus primórdios, tema este que atualmente tem sido objeto de abordagem por diversos portais e canais disponíveis nas redes virtuais de comunicação (redes sociais).
Etimologicamente o termo Economia tem a sua origem primaria na palavra “‘oíkos” que, na antiga Grécia, significava a arte de bem administrar o lar, o domicílio e o meio ambiente, que historicamente sempre se fez presente no cotidiano de qualquer sociedade, isto de forma mais perceptiva do que de forma mais sistematizada. Até meados do Século XVIII os seus estudos eram subordinados a outras ciências, notadamente à Filosofia e à Política sendo tratada por estas, de forma acessória.
A partir desse período são iniciados os primeiros movimentos para uma sistematização e tratamento científico da Economia que, na Idade Moderna, foram motivados pela Revolução Comercial e pelo Mercantilismo, este último fornecendo o amparo político e militar para a exploração de riquezas na Ásia, na África e nas Américas por parte das nações europeias.
Esse processo permitiu que, de forma direta ou indireta, houvesse a formação de vultosas reservas monetárias que criaram um ambiente propício para financiar o surgimento da Revolução Industrial, que embora houvesse algumas manifestações na China durante o Século XIII, foi liderada efetivamente pelo empreendedorismo inglês no Século XVIII que posteriormente expandiu-se para outros países e para outras regiões.
Os primeiros movimentos no sentido de se buscar um tratamento científico para a Economia tiveram como percussores pensadores como Antoine Montchrétien, Jean Bodin, John Locke, François Quesnay e Adam Smith que vieram a ser seguidos posteriormente por David Ricardo, Karl Marx, Joseph Schumpeter, Max Weber, Maynard Keynes, Friedrich Hayek, Michal Kalecki, Celso Furtado, Daniel Kahneman, John Galbraith, Robert Lucas, apenas citar parte de um universo de teóricos que, com as suas contribuições, construíram as bases para o pensamento econômico moderno, este sujeito à própria dinamicidade da sociedade, conforme destaque feito por Ricardo Feijó no livro História do Pensamento Econômico: De Lao Tse a Robert Lucas (2016) que se dedica a apresentar uma ampla abordagem histórica ao processo de Formação do Pensamento Econômico.
Ao processo de Formação do Pensamento Econômico em suas variadas manifestações se incorpora o conceito da Dialética, um elemento de origem filosófica com forte influência na dinâmica de qualquer sociedade que estimula a formação de ideias, de argumentos, de reflexões que no seu conjunto contribuem para a realização de contínuas revisões conceituais.
Huisman & Verges (1984), autores que, ao lado de um vasto número de outros estudiosos, se dedicaram a realizar uma ampla abordagem sobre a história e formação da filosofia na qual a Dialética é um dos focos de investigação. Esses autores destacam que as manifestações mais remotas da dialética são encontradas em alguns registros orientais da China e da Índia resgatadas por outras reflexões realizadas por filósofos de diversas matizes como Zenon de Eléia, Heráclito, Sócrates, Platão, Aristóteles e, posteriormente, continuadas por outros pensadores como Santo Agostinho, Descartes, David Hume, Saint-Simon, Espinosa até ser objeto de uma ampla sistematização realizada por Friedrich Hegel como parte do conteúdo do ensaio “Fenomenologia do Espírito”, publicada em 1807.
A “Fenomenologia do Espírito”, de Hegel, é considerada por variados estudiosos como um marco da filosofia mundial onde o autor desenvolveu um sistema que denominou de idealismo absoluto composto pela Lógica, pela Filosofia da Natureza e pela Filosofia do Espírito onde introduz um conceito que denominou de Processo Triádico da Dialética estabelecendo o princípio da contradição representada por três fases: Tese, Antítese e Síntese.
- A Tese significa aquilo que é, ou seja, uma situação predominante.
- A Antítese é o não ser ou aquilo que ainda não é constituindo-se na oposição à situação predominante.
- Da contradição entre tese e antítese surge a síntese como uma situação transitória para uma nova realidade ou uma nova Tese.
Para Hegel, a verdadeira ciência do pensamento coincide com a ciência do ser e que o movimento dinâmico dessas fases permitiria a aquisição de conhecimento, a avaliação da realidade e a evolução da própria ciência.
Esse raciocínio constitui a chamada Dialética Hegeliana que tem sido analisada e reinterpretada para explicar a ocorrência de diversos fatos históricos, políticos e econômicos, inclusive se afirmando que a História da Civilização Humana é consequência de um contínuo e permanente processo dialético.
Em uma linguagem mais atual, as fases do Processo Triádico da Dialética de Hegel a Tese representa uma situação que predomina durante um determinado tempo. A antítese representa um movimento de oposição à tese predominante como resultado do seu esgotamento em razão do surgimento de novos fatores relacionados à dinâmica sociopolítica e econômica não prevista originalmente estimulando o surgimento de um choque. A síntese representa o resultado do choque entre a tese e a antítese criando uma fase transitória para o surgimento de uma nova tese que, por sua vez, estará sujeira a um novo processo dialético na medida em que tende a envelhecer e se esgotar.
Sob essa ótica, a interpretação do mundo, dos fatos históricos, políticos e econômicos, e das próprias ideias, obedecem à percepção da existência de um universo em permanente movimento.
Processo Dialético
Pela leitura dos variados fatos que ocorreram e naturalmente ocorrem na História da Civilização Humana é possível afirmar que o processo dialético sempre provocou a transformação dos usos, costumes e valores da sociedade permitindo, assim, que os dispersos agrupamentos humanos da pré-história, induzidos por suas contradições e pelos questionamentos da realidade, abandonassem as suas cavernas e, através de um longo caminho, se transformasse na moderna sociedade contemporânea da informação, esta, por sua vez, sujeita ao seu próprio processo dialético.
A compreensão do significado do processo dialético permite perceber que a sua dinâmica induz transformações e formas diferenciadas de se ver o universo atingindo indiscriminadamente diversos segmentos das ciências tradicionais possibilitando, assim, o surgimento de novos campos de estudo que até então não eram percebidos, mas que sempre se fizeram presentes no contexto da sociedade. Isto pode induzir a revisão, o aperfeiçoamento e eventual eliminação de paradigmas até então considerados consolidados, isto na hipótese destes não se adaptarem às novas tendências.
Com isso são desenvolvidos novos estímulos que permitem se obter uma visão de mundo mais diferenciada do que aquela que tinham os pensadores clássicos. Não que esses pensadores tivessem uma visão limitada da realidade do seu tempo, mas apenas não dispunham de modernos instrumentos que se encontram disponíveis aos atuais pesquisadores de variados campos do conhecimento. Essa facilidade permite a realização de estudos e experimentos em um contexto de grande dinamicidade desenvolvendo um número significativo de pesquisas, estudos e experimentos nos campos da Química e da Física; da Medicina, da Genética, da Biologia, da Biotecnologia, da Nanotecnologia, da Farmacologia; do Direito, da Geopolítica, da Filosofia e da Economia, apenas para citar alguns campos de estudos.
Nesse cenário de contínuas transformações verifica-se a presença grandes fenômenos e desafios contemporâneos, estes, em sua maioria, com origem em problemas de natureza econômica envolvendo diversos agentes que buscam satisfazer as suas necessidades desenvolvendo soluções adequadas à realidade local e nacional que, em variadas escalas, podem também estar associadas à geopolítica mundial. Alguns desses fenômenos podem ser observados como, por exemplo:
- O fluxo migratório mundial em busca de melhores condições de vida, oportunidades de emprego, de segurança e de renda;
- A busca de fontes de energia alternativa diante da possibilidade de exaustão de recursos provenientes das fontes fósseis e as consequências advindas do impacto poluitivo no meio-ambiente;
- A mobilidade e a carência de infraestrutura econômica e social nos grandes aglomerados urbanos ocasionando violência e insegurança como consequência da falta de oportunidades;
- O desenvolvimento de mecanismos voltados ao controle do fluxo de capital financeiro circulante no mundo com o objetivo de neutralizar a indesejada volatilidade e seu impacto na política cambial;
- O estímulo a iniciativas voltadas à inovação tecnológica e melhoria de processos na busca da eficiência e competitividade ocasionando impacto nos preços dos bens e serviços.
Em qualquer sociedade, independentemente do seu grau de desenvolvimento, a Economia enquanto ciência humana aplicada tem a missão de diagnosticar e investigar as causas e as consequências dos fenômenos econômicos associados ao processo de geração de bens e serviços destinados ao atendimento das variadas demandas sociais. Cabe ressaltar que, independentemente dos aspectos econômico e social, tanto pelo lado da geração de bens e serviços como pelo atendimento das demandas sociais o processo deve observar os limites institucionais e legais estabelecidos pela própria sociedade.
Essa missão permite que sejam definidos caminhos e diretrizes para minimizar os efeitos de eventuais desequilíbrios que podem surgir no próprio processo como o desemprego, a inflação, a recessão, entre outros e cujo descontrole podem dar origem àquilo que normalmente é conhecido como crises econômicas.
Os estudos para o diagnóstico e investigação das causas e consequências dos fenômenos econômicos são subsidiados por formulações matemáticas e estatísticas, mas, sobretudo, é relevante levar em consideração o ambiente institucional, político e legal predominante, os impactos sociais, ambientais e mudanças de hábitos que tendem estar associadas às inovações promovidas pela tecnologia da informação, presença significativa das redes virtuais de comunicação (redes sociais) e seus desdobramentos, bem como uma maior preocupação com o conceito de sustentabilidade sob diversas formas e manifestações.
Sob a ótica da construção do pensamento econômico moderno esses preceitos encontram sintonia com as teses defendidas pela Escola Institucionalista, pela Escola Behaviorista ou Economia Comportamental, pela Nova Economia, sendo esta última uma tendência que ganha celeridade a partir dos anos 1990, e pela Bioeconomia, segmento científico com maior ênfase a partir da primeira década do Século XXI, ao se dedicar a estudar os sistemas biológicos e recursos naturais associados à utilização de novas tecnologias com propósitos de criar bens e serviços mais sustentáveis estando presentes na produção de vacinas, enzimas industriais, novas variedades vegetais, biocombustíveis, cosméticos entre outros.
No entanto, apesar dos grandes fenômenos e desafios contemporâneos terem em sua maioria origem em problemas de natureza econômica, para a maioria das pessoas a Economia é vista como uma ciência de difícil compreensão em razão de ser representada por números, cifras, modelos matemáticos complexos, simulações estatísticas, análises gráficas projeções econométricas entre outras manifestações, que enfatizam em maior escala aspectos financeiros ou monetários e, em uma escala menor, aspectos comportamentais relacionados ao processo de geração de bens e serviços destinados ao atendimento das variadas demandas sociais e, simultaneamente, definir caminhos e diretrizes para minimizar os efeitos de eventuais desequilíbrios que podem surgir no processo.
Vale ressaltar que qualquer abordagem investigativa com o objetivo de analisar e interpretar os fenômenos de natureza econômica deve obedecer a duas vertentes: uma vertente quantitativa e outra vertente sociocomportamental cada uma delas contemplando variadas escolas de pensamento.
Vertentes da Economia
Em sua vertente quantitativa a abordagem investigativa deve buscar analisar e interpretar os fenômenos de natureza econômica se aproximando das ciências exatas a partir da utilização de modelos matemáticos, estatísticos e econométricos em que a reação dos indivíduos e das organizações na busca da satisfação dos seus interesses obedece a uma conotação mais racional. Essa linha de abordagem se avolumou particularmente a partir do final dos anos 1970 ganhando celeridade com o desenvolvimento de novas técnicas de análise para situações específicas decorrentes do avanço da tecnologia da informação criando, em contrapartida, um excesso de matematização da Economia (KREPS, David. Economics – Current Position, in “Daedalus”, American Academy of Arts and Science,1997).
Por outro lado, em sua vertente sociocomportamental a abordagem investigativa deve buscar analisar e interpretar os fenômenos de natureza econômica se aproximando das ciências humanas (Política, Sociologia, Antropologia, Psicologia, Direito, entre outras). Para tanto são utilizadas teorias que enfatizam aspectos comportamentais e de ordenamento jurídico em que a reação dos indivíduos e das organizações na busca da satisfação dos seus interesses obedece a uma conotação mais política e cognitiva em face de fatores de ordem histórica, cultural e de valores que influenciam usos e costumes. Nesse caso, a identificação de necessidades geradoras de demandas e o desenvolvimento de mecanismos para a sua satisfação pela oferta de bens e serviços diante da limitação de recursos se encontram correlacionados, como antes mencionados, ao ambiente institucional, político e legal predominante.
No entanto é possível se observar que na área acadêmica ocorre com certa frequência debates que buscam fazer prevalecer uma das vertentes sobre a outra se dispendendo uma energia de forma ineficaz. A realidade, porém, demonstra que essas duas vertentes devem coexistir harmonicamente, pois ambas tendem a se complementar e a se interagir em virtude das transformações que se fazem presentes na sociedade contemporânea uma vez que a vida dos indivíduos e das organizações não segue parâmetros somente matemáticos ou somente comportamentais. Para a Economia, a percepção da presença das demandas sociais e sua influência nas decisões dos agentes do setor público e do setor privado, se constituem em uma importante fonte para a formulação de planejamentos estratégicos e no estabelecimento de planos de ação.
Por exemplo, a formulação de uma política pública para a redução do déficit habitacional: para a sua implementação é requerida a realização do levantamento e do tratamento de dados visando o seu impacto na cadeia produtiva, mas, ao mesmo tempo, torna-se necessário se considerar adequação dessa política aos anseios comportamentais do público-alvo que se quer atingir associada à própria segurança jurídica inerente a direitos e obrigações.
Outro exemplo é a elaboração, a implantação e o acompanhamento de projetos ou no desenho de planos estratégicos pelas empresas para os quais a percepção de fatores associados à demanda potencial, os seus reflexos na sociedade, os impactos ambientais da decisão e o ambiente jurídico e institucional presentes são condições imperativas que podem levar ao sucesso ou ao insucesso do empreendimento, fato este que extrapola os estudos convencionais de avaliação da viabilidade econômico-financeira.
No aspecto geopolítico, consensos internacionais sobre a liberalização comercial, a disciplina fiscal, a regulação financeira, as parcerias entre o setor público e o setor privado, definição de marco regulatório para diversos setores de atividade econômica, entre outras manifestações indica o estabelecimento de um novo paradigma que exige diálogos permanentes entre diversas áreas do conhecimento não se limitando, por conseguinte, aos limites territoriais ou geográficos.
Muito embora um conhecimento dos conceitos fundamentais da Economia não seja ainda de um domínio amplo, a sociedade contemporânea tem demonstrado um interesse cada vez mais acentuado pela compreensão dos fenômenos econômicos, pois, estes, estão presentes no seu cotidiano através das decisões que são de forma permanente tomada pelos indivíduos de forma independente ou em conjunto no âmbito das organizações.
O processo de tomada de decisão é caracterizado como uma ação racional tomada no presente (cenário atual) no sentido de gerar benefícios esperados no futuro (novo cenário) que podem atingir os planos econômico, financeiro, social ou político, dependendo do objetivo proposto ou traçado. Essa ação ocorre em função da identificação de uma necessidade, o que tecnicamente é denominado de problema, cuja proposta de solução ocorre a partir do levantamento de informações qualitativas e quantitativas buscando-se avaliar o seu impacto em cenários de risco e de incerteza.
Processo de tomada de decisão
No mundo contemporâneo, em virtude de uma complexidade cada vez mais acentuada das relações sociais, políticas, econômicas que se apresentam no cenário nacional e internacional, torna-se necessário investigar como as decisões tomadas pelos indivíduos de forma independente ou em conjunto no âmbito das organizações influenciam a ocorrência dos denominados fenômenos econômicos não devendo essa investigação ficar limitada aos conceitos da teoria econômica tradicional que, em grande parte, ainda segue os princípios de causa e efeito dentro dos parâmetros cartesianos, mas, sobretudo ter a sensibilidade de enfrentar um desafio multidisciplinar dentro dos limites institucionais, jurídicos e de valores de um Estado de Direito.
Realizada essas considerações esse ensaio tem como desafio apresentar a Economia como uma ciência humana aplicada revisitando os seus conceitos fundamentais sob um olhar político e tendo como premissa básica que seus movimentos são influenciados pelas decisões tomadas pelos indivíduos em estreita correlação com as suas vertentes sociocomportamental e quantitativa que se encontram em permanente interação. Em todo esse contexto, o profissional economista deve ter um papel ativo e permanente revendo os seus próprios paradigmas e, com isso, buscando eliminar ou pelo menos neutralizar os efeitos da “Síndrome da Orquestra do Titanic”.
José Luiz Miranda – Economista. Mestre em Desenvolvimento Regional com ênfase em Políticas Públicas. Especialização em Análise de Investimentos. Gestão Empresarial. Possui Qualificações complementares em Project Finance e Gestão Estratégica (AMANA-KEY/SP). Gerente aposentado da Caixa Econômica Federal, onde atuou em equipes que participaram em atividades estratégicas junto ao Governo Federal, notadamente em projetos relacionados à Reestruturação da Dívida Pública da União (1997) e à Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional – PROER (1995/1996), ambos decorrentes da implantação do Plano de Estabilização Monetária. Eventualmente exerce atividades de Perito e Assistente Técnico na Área de Economia e Finanças.