São Paulo – O economista Bernard Appy encampa a luta pela reforma tributária há mais de dez anos. Em 2015, ele criou o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), que se tornou uma referência na discussão sobre o manicômio do sistema de impostos brasileiros. Appy, que já havia se deparado com o tamanho do problema quando foi secretário executivo e secretário de Política Econômica no governo do do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se tornou o principal rosto da reforma tributária que o Legislativo pegou para chamar de sua. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, assumiu a dianteira e chamou o economista para a missão ao invés de esperar pela proposta do Executivo, que está sendo formulada pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra. Alheio às disputas entre os poderes, Appy defende a criação de um imposto único, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A ideia foi inspirada em algo já popular em boa parte do mundo desenvolvido: o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Na proposta, ICMS, PIS e Cofins, de competência federal, ICMS, ligado aos estados, e o ISS, cobrado pelos municípios, seriam fundidos em apenas um imposto no horizonte de dez anos. Dessa maneira, segundo Appy, o pagamento de impostos seria muito facilitado e a guerra fiscal entre os estados – que dão isenções para atrair empresas para as suas regiões – seria praticamente resolvida. Mais: esse novo imposto poderia gerar um crescimento acumulado de 10% do PIB nos próximos 15 anos. No país, atualmente, as empresas gastam quase 2.000 horas e 60 bilhões de reais todos os anos somente para calcular o pagamento de impostos. Ao mesmo tempo, a proposta sofre algumas resistências por conta da retirada de poder dos estados. Um dos argumentos é que as federações não poderiam mais promover políticas de isenção de impostos para atrair empresas. Para Appy, isso seria algo positivo. “Os benefícios fiscais não estão apenas desvirtuados, como são uma forma extremamente ineficiente de fazer política pública”, diz ele. Confira, a seguir, a sua entrevista: Como o senhor está enxergando a velocidade de tramitação da proposta de reforma tributária? O ritmo de tramitação é definido pelo Congresso e não temos poder sobre isso. A ideia dos líderes de partido é que tramite sem atrapalhar a reforma da Previdência. Então, a reforma passará pela Comissão de Constituição e Justiça e serão feitas audiências, mas as negociações de aprovação ainda não serão iniciadas antes da reforma da Previdência estar aprovada. O que eu acho que é correto. A reforma tributária já é debatida há alguns anos, mas ainda existem muitas dúvidas a respeito dela, como os reais benefícios da mudança e a questão de tirar poder dos estados e municípios. Como está essa discussão no Congresso? A discussão ainda está no início no Parlamento. O presidente Rodrigo Maia fez uma reunião com líderes para os quais eu apresentei a proposta e ela foi bem recebida. Não à toa, os líderes decidiram apresentar a PEC baseada na proposta do CCiF. Obviamente, ainda há muita conversa para acontecer, mas a receptividade foi boa. A atual proposta acabará com a possibilidade dos benefícios fiscais dada por estados a indústrias e empresas em geral? Uma das questões que mais surgem é exatamente essa. Porém, a discussão precisa ser diferente. Os benefícios fiscais não estão apenas desvirtuados, como são uma forma extremamente ineficiente de fazer política pública. Isso acontece por vários motivos. O primeiro deles é que, na prática, não são apenas os estados menos desenvolvidos que dão benefícios. Se todos fornecem subsídios, logo, a função de ser uma política de desenvolvimento regional foi perdida. Além disso, um estado normalmente tem interesse em dar benefícios para setores que não necessariamente tem vocação para se instalar naquela região. Isso resulta em uma distribuição geográfica extremamente ineficiente do Brasil. Poderia dar exemplos dessa ineficiência? Vou dar um exemplo prático. O estado de São Paulo dá benefícios para frigoríficos. Ao mesmo tempo, os estados do Centro-Oeste, que é a região onde estão as maiorias dos bois, podem dar benefícios para montadoras. Se não tivessem as isenções, provavelmente, um estaria no lugar do outro. E, talvez, o frigorífico gera até mais empregos do que a montadora. No fim, significa que temos diversos caminhões andando pelo país de forma ineficiente por conta de benefícios do ICMS. Qualquer varejista de bens de consumo no Brasil tem a sua logística montada em cima de benefício fiscal. Mas é uma estupidez na questão de logística. E como compensar o fim dos subsídios para estados mais pobres, que precisam atrair empresas para se desenvolverem? O que se propõe é que se reforce a política de desenvolvimento regional junto com a reforma. Porém, tem que ser uma política que explore as vocações de cada região. Se investe naquilo que o estado faz bem. O que acontece hoje é exatamente o contrário. Hoje, São Paulo é um estado rico, mas continua concedendo benefícios fiscais. Quer dizer, não está funcionando a política de desenvolvimento regional. E como ficariam os benefícios já existentes? Será feita uma transição que levará dez anos, sem contar o tempo inicial de regulamentar o imposto. Se a PEC fosse aprovada neste ano, muito provavelmente o IBS só seria cobrado em 2022 por conta de toda a construção do sistema. Portanto, as empresas terão a partir dali 10 anos para se organizarem. É um tempo longo para as companhias pensarem onde vão alocar os seus investimentos. E a mudança tributária não desmonta aquilo que é eficiente. Agora, aqueles negócios que não geram valor, provavelmente, serão encerrados e as empresas mudarão o alvo dos seus investimentos. Como está a discussão para a criação dessa política de desenvolvimento regional? Toda a vez que eu falo da proposta, eu comento sobre essa necessidade. Nós não incluímos na PEC porque a definição do valor será política. E eu acredito que a reforma não será aprovada sem a criação dessa política. Os valores podem ser relevantes, acima de dezena de bilhão de reais. Com esse dinheiro, é possível fazer uma…